sábado, 8 de janeiro de 2011

Repetição

Gosto da Tocata e fuga em ré menor de Johann
Sebastian Bach.

Tudo me fascina: o timbre do órgão, a melodia, a
imersão nessa atmosfera na qual Bach nos
projeta.

Sem sublinhar os aspectos particulares da
harmonia no Barroco e as querelas acerca da
autoria.

Refiro-me à experiência sonora em si, deixar-se
para a música e sentir-se revolvido, desde os
poros até a alma. Em momentos assim, minha
solidão entristece, sente-se ameaçada, pois sou
feliz. Repito a música, divago. Suave e profunda
sensação.

No entanto, m., esses momentos passam e o
poderoso trio que me acompanha, trancafia os
acordes, acorrenta as dissonâncias. Juntas,
Solidão, Tristeza e Angústia tocam em uníssono
absoluto, perpetuando uma única nota.

Um acutíssimo intermitente que não se pode
ouvir, uma oitava tão acima da minha limitação
auditiva que só posso sentir com o espírito.

Sua posição nessa escala inumana, sua
intermitência, a persistência no mesmo volume
imaterial, aterrorizante, gera uma repetição
dolorida e cortante como uma lâmina de navalha
que me corta o plexo e só percebo que fui
atacado quando as entranhas me rolam carcaça a
fora, misturando-se com a lama onde chafurdo.

(Para m., com admiração)

2 comentários:

  1. Fiquei super feliz com tamanho privilégio. O texto foi exatamente da forma que mais aprecio: poético, profundo, triste (que não entristece), melancólico.
    Gostei muito. Vou lê-lo algumas vezes até me inspirar pra escrever algo em retribuição.
    Parabéns!

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  2. Que bom, que bommmmmm!!!
    Também em deixa muito feliz saber que você gostou.
    Vou adorar ler seu texto.

    Obrigado, mesmo, viu?

    Até...

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